Por Léo Braga
Em Não Conta Pra Ninguém, Uma talentosa atriz está prestes a se apresentar para uma banca avaliadora para o papel protagonista de uma peça musical. Mas, ao se apresentar, sua voz não está ali. E onde ela está? O que poderia ter acontecido com a voz de uma mulher se não existe nenhum problema físico? Talvez seja melhor vasculhar o próprio passado.
Helga Nemetik, já bastante conhecida pelo público de teatro musical e por seus papeis geralmente cômicos, estrela um solo de prosa bastante diferente do que a vimos fazendo até hoje. Helga nos conta sua história. Aquela história que, segundo ela mesma, nunca havia contado a ninguém. Mas ao vasculhar seu passado ali naquele palco, vemos como falar sobre o tempo ido pode ser algo árduo. Falar sobre medos, sobre traumas e sobre abuso.
Em um teatro pequeno e intimista, Helga nos faz embarcar numa história em que seremos, também, um pouco do elenco em alguns (poucos) momentos – Ninguém vai para o palco, eu prometo! Mas existe um convite para que mergulhemos de cabeça no que é contado.
Em um momento em que muitas das peças em cartaz carecem de um bom texto, Juliana Rosenthal nos presenteia com uma dramaturgia que nos faz ir da risada às lágrimas partindo de um início aparente cômico a um final que nos deixa com um nó na garganta, dando total condições para que a atriz nos mostre, com grandeza, seu talento, versatilidade e, principalmente, sua coragem.
A direção de Michelle Ferreira conduz de forma inteligente o texto que, em mãos diferentes, poderia perder a comicidade e nos levar direto àquilo que é extremamente difícil de entender. Nos faz rir da atriz/personagem para, na hora certa, nos entregar a porrada na boca do estômago. A gente chega a ficar sem ar.
Do soco no estômago a umas lanternadas na cara… A Luz desenhada por Cesar Pivetti é praticamente um texto dentro do texto, e é só utilizada para iluminar a peça para deixar a atriz fora da penumbra, mas também para nos “cegar” em momentos em que a personagem é cruelmente calada pela vida.
E a direção musical de Eric Budney constroi uma atmosfera que também nos leva do cômico ao trágico. Com escolhas inteligentes, temos uma sonoplastia rica e uma trilha sonora que afaga, mas que incomoda quando é necessário.
Lá no início da peça, Helga canta La Habanera (ou L’amour est un oiseau rebelle), da ópera Carmen, de Bizet. Essa, que é uma das árias mais famosas da história, foi cantada por ninguém menos que Maria Callas, a maior das sopranos que temos notícias no século XX. E Callas teve um relacionamento extremamente abusivo com um magnata grego cujo nome nem precisa ser citado. Em determinado momento, o patife disse à soprano: “Você tem apenas um apito na garganta, e ele não funciona mais”. Maria Callas, nunca mais estrelou uma ópera.
O que cala a voz de uma mulher quando não existe nenhum problema físico?
Existem muitas palavras que podem ser usadas para falar sobre Helga Nemetik: Talento, vozeirão, simpatia, um sorriso que abraça. Um abraço que conforta! Mas existe uma palavra que eu já escrevi mais acima: Coragem!
Ter coragem para falar abertamente sobre o abuso que sofreu e dar coragem a outras mulheres e meninas para que gritem para o mundo quando algum monstro lhe fez algo e apenas disse: Não conta pra ninguém.
Após uma temporada de sucesso no SESI, na Av. Paulista, o monólogo Não conta pra ninguém! está novamente em cartaz no Espaço Cia da Revista, onde ficará às sextas, sábados e domingos até 1º de dezembro.
