Por Léo Braga
“O Segredo de Brokeback Mountain“ chegou aos cinemas brasileiros em 2006, durante a disputa pelo prêmio de Melhor Filme no Oscar. Fui assistir ao filme com expectativas altas, e embora ele não tenha me conquistado tanto quanto conquistou a maioria das pessoas que conheço, ainda assim reconheço que é um belíssimo roteiro, com uma direção primorosa, que rendeu a Ang Lee seu primeiro Oscar como diretor.

A história começa no início dos anos 60, durante um verão nas montanhas, quando os cowboys Jack e Ennis se conhecem enquanto realizam o tedioso trabalho de cuidar e alimentar ovelhas sozinhos no alto de Brokeback. Após se aproximarem e compartilharem uma noite de sexo aparentemente casual (a famosa “brotheragem“), acompanhamos, ao longo de 20 anos, a trajetória de um amor proibido, não apenas pela sociedade machista da época e pelo ambiente conservador, mas também pelo preconceito enraizado nos próprios personagens.
O filme recebeu diversos prêmios de Melhor Filme do Ano, mas a Academia parece não ter tido coragem de premiar com o Oscar principal um filme com a temática de “cowboys gays”, acabando por entregar a estatueta a Crash – No Limite, um filme que, na minha opinião, era o pior entre os indicados daquele ano.
A história foi adaptada para o teatro por Ashley Robinson e estreou na West End em 2023. Sem perder tempo, Marcelo Brou idealizou todo o projeto para trazer a peça ao Brasil. Eu, por minha vez, fiquei curioso não exatamente pelo que veria, mas por como seria feito.
Ao entrar na sala e olhar para o palco, já é possível ver um dos personagens deitado em cena, cercado por algumas estacas de madeira que formam uma figura um tanto ovalada. Ele permanece ali — imóvel — enquanto o público se acomoda e conversa, até o soar do terceiro sinal.
A encenação começa com a Cantora Baladeira (Catarina Marcato) entoando belissimamente uma canção com sua voz marcadamente country. Isso se repete em alguns momentos da peça. Por não se tratar de um musical, as canções não avançam a narrativa, mas ajudam a criar uma ambientação que o cenário não constrói. A direção musical de Miguel Góes é um dos acertos da produção.
Em vários momentos, vemos os atores movimentando as estacas de madeira que compõem o cenário para criar novos ambientes, mas, até que algum personagem nos diga onde estamos, não temos noção clara do local. Pode ser a montanha, a cabana no alto, a casa de algum personagem ou o trabalho de outro — o cenário em si não sugere nada disso. Geralmente, quem ajusta o cenário é o próprio Marcelo Brou.
A troca manual e lenta desse cenário acaba criando pausas entre as cenas que poderiam ser preenchidas com mais números da Cantora Baladeira. No entanto, por vezes, ficamos apenas observando a troca, esperando uma ação que não vem. Embora a falta de músicas seja característica do original, a lentidão poderia ter sido corrigida pela direção de Moacyr Góes. O problema é perceptível até mesmo para quem não está habituado a frequentar o teatro.

Os atores Júlio Oliveira (Jack) e Marcéu Pierrotti (Ennis) são, sem dúvida, a melhor parte do espetáculo. Eles vestem seus personagens com muita autenticidade. Júlio constrói um Jack esperançoso, enquanto Pierrotti dá vida a um Ennis que parece carregar tão pouca felicidade dentro de si por tanto tempo que, quando feliz, isso o transforma completamente. Esses personagens, apesar de tão diferentes, parecem se completar o tempo todo. Enquanto Jack é leve como o vento, Ennis parece estar enraizado na terra, criando uma dualidade bonita de se ver. Vemos dois atores que se entregam sem medo, totalmente disponíveis em cena.
Após descer da montanha naquele verão, Ennis se casa com sua namorada Alma (Catarina Marcato), e isso marca uma pausa na cantoria da peça, que só retorna quando os personagens se divorciam. Não fica claro se isso foi uma escolha intencional do texto ou mera coincidência, mas dá a impressão de que não há muito espaço para a alegria (representada até pela música melancólica) enquanto Ennis está casado e separado de seu grande amor.
Jack também se casa, com a jovem Laureen (Ana Elisa Schumacher), que aparece em apenas uma cena — uma pena, pois seria ótimo ver mais desse casal, que também parece destinado a nunca encontrar a felicidade.

Arlete Heringer e Eduardo Rieche interpretam mais de um personagem na peça, mas se destacam especialmente como os pais de Jack, oferecendo uma interpretação carregada de sofrimento pelo luto após a morte do filho. Mais uma vez, há uma dualidade: a mãe se revela uma verdadeira aliada de Jack, e posteriormente de Ennis, enquanto o pai demonstra um profundo desgosto pela homossexualidade que acredita ter sido um “caminho escolhido” pelo filho.
Marcelo Brou atua como stage manager durante quase toda a peça, permanecendo em cena sem uma razão clara e se movendo de um lado para o outro de maneira aparentemente desnecessária. Ele está inserido em um personagem que só é revelado como um Ennis mais velho no final.
Será que tudo o que vimos é uma memória desse personagem? Essa dúvida não é respondida diretamente, deixando a interpretação aberta para o espectador, já que não há uma resposta certa ou errada.

A adaptação do texto da tela para o palco é tão bem-sucedida que conseguimos traçar muitos paralelos entre as duas linguagens, mesmo que o palco não ofereça as mesmas instalações que a tela grande proporciona. Miguel Góes acertou na escolha das palavras ao traduzir o roteiro para um português que não cai no estereótipo caipira, apesar de ser o mais próximo que temos de cowboys no país.
Apesar da falta de uma cenografia mais elaborada e de uma direção mais incisiva, O Segredo de Brokeback Mountain se destaca principalmente pelo trabalho dos atores. Ao final dos aplausos, é sempre possível ver o público bastante emocionado com a força desse texto, que aborda um tema tão delicado quanto a homofobia de maneira direta, mas honesta.
SERVIÇO
Rio de Janeiro
Até 26/09
Quartas e Quintas às 20h
Teatro das Artes – dentro do Shopping da Gávea, Rio de Janeiro
Ingressos: https://divertix.com.br/teatro/o-segredo-de-brokeback-mountain